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DIÁRIO da Assembleia da República (extrato)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE MAIO DE 1992

Página 2079

Quarta-feira, 20 de Maio de 1992 I Série - Número 65

 

 

Discurso da deputada Isilda Martins sobre a Universidade do Algarve

A ideia de dólar o Algarve de uma universidade há muito que vinha sendo defendida, sobretudo a partir da década de 60, pelos Drs. Mário Lyster Franco e Maurício Monteiro, no semanário regional Correio do Sul, entre outros.


Nessa época, era um sonho difícil de concretizar, por duas ordens de razão: a primeira, de natureza geográfica, prendia-se com o facto de o Algarve ser vítima de síndroma de «região periférica», votado por esse motivo ao esquecimento; a segunda, de natureza política: num País de estrutura político-administrativa fortemente centralizadora tal desiderato feria a tradição.

 

Foram os eleitos benéficos tia democracia que permitiram que a ideia pudesse ser retomada pela Assembleia da República e consagrada na Lei n.º 11/79, de 28 de Março, que, no seu artigo 1.º, determina a instituição da Universidade do Algarve, com sede em Faro, e autoriza a abertura de estabelecimentos noutras localidades. Consigna, ainda, o mesmo diploma a criação de uma comissão instaladora encarregada de apresentar, no prazo de um ano uma proposta de estruturação, localização dos estabelecimentos a criar, instalação e um plano de cursos, organizado de acordo com as características, potencialidades e necessidades da região e do País, nos seus aspectos económico, social e cultural.

 

Ao abrigo do Decreto-Lei n.º 46/83, de 18 de Junho, foram autorizados os cursos que conferiam o grau de licenciatura em Biologia Marinha e Pescas, Gestão de Empresas e Hortofruticultura.


Finalmente, no dia 30 de Outubro de 1983, deu-se início ao primeiro ano lectivo da Universidade do Algarve. Fundava-se, assim, a primeira universidade de temática regional, aberta, dialogante e extrovertida, rompendo com a postura tradicional da universidade clássica, esotérica, quantas vezes alheada do País real e, quiçá, autista.


A Universidade do Algarve seria, de acordo com a filosofia defendida pelos seus fundadores, uma escola de cunho regional, tendo como prioridades o estudo dos problemas do Algarve e a elaboração de projectos que contemplem a diversidade do seu território e como objectivos naturais, para além da divulgação do saber, a valorização dos recursos naturais, a protecção do património cultural e natural, a definição das grandes linhas programáticas de ordenamento do território e a preparação de recursos humanos para as tarefas da regionalização, consignada na lei fundamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só os países cultos são ricos. Sem um sistema de ensino efectivo, adequado e sem quadros técnicos bem preparados, não há desenvolvimento.


Na verdade, o atraso a que o Algarve esteve sujeito deve-se, em grande parte, à inexistência de uma universidade. 


Os jovens que tinham a fortuna do acesso ao ensino superior não regressavam ao Algarve, por falia de oportunidades, e contribuíram, com o seu saber e inteligência, para o progresso de outras regiões.


Sendo a inteligência o património mais lucrativo, aos poucos, o Algarve foi-se descapitalizando e empobrecendo.


Assim se explica que o desenvolvimento que o Algarve hoje conhece se fique a dever à iniciativa de estrangeiros, sobretudo ingleses, porquanto a maioria dos naturais residentes, por falta de conhecimentos, apenas se dedicavam à prática da agricultura tradicional ou a funções intermédias e subalternas nos sectores secundário e terciário.


Ao saírem do Algarve, os nossos jovens desenraizaram-se e, quando se deu o surto da indústria turística, os postos de trabalho existentes foram preenchidos por indivíduos nascidos noutras regiões do País e mesmo no estrangeiro.


O Algarve tomou-se, gradualmente, naquilo que é hoje: uma região cujos naturais estão espalhados pelo resto do País e por texto o mundo e cujos habitantes talvez só cerca de metade sejam seus naturais, exercendo estes funções, até certo ponto, de menor projecção. Na verdade, no Algarve de hoje, quem domina as tecnologias de ponta, são em grande parte os estrangeiros ou nacionais nascidos noutras regiões, com especial relevo para os primeiros, a quem se deve a agricultura e as iniciativas fundamentais associadas ao turismo.


Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Universidade do Algarve foi projectada para atingir uma população de 3000 alunos, ao fim de 15 anos de funcionamento. Ora, acontece que, no ano lectivo de 1990-1991, o número de alunos era de 1600 e, no ano de 1991-1992, a população escolar quase​

duplicou e passou para 3100. Isto é, atingiu-se, em 10 anos, o quantitativo estimado para 15 anos.


A Universidade abriu com um corpo docente composto por 25 elementos, dos quais apenas dois eram catedráticos. Passou, em 10 anos, para 319 docentes, sendo 92 o número de professores catedráticos.


A Universidade, que havia iniciado o seu funcionamento apenas com os ires cursos já indicados, hoje & constituída por quatro unidades de ensino universitário, três escolas de ensino politécnico e ainda cursos livres. A saber, o ensino universitário compreende: a Unidade de Ciências e Tecnologia Agrárias, a Unidade de Ciências Exactas e Humanas, a Unidade de Economia e Administração e a Unidade de Ciências e Tecnologias dos Recursos Aquáticos. Enquanto que o ensino politécnico contém: a Escola Superior de Educação, a Escola Superior de Tecnologia e a Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo.


No que respeita as instalações, a Universidade iniciou as suas actividades em pavilhões pré-fabricados, cedidos graciosamente por uma instituição de beneficência. Hoje, dispõe de infra-estruturas distribuídas por dois campus: o Campus da Penha, que abrange 14,50 ha, sendo a área coberta de 23 225 m2, que é a sede do Instituto Politécnico, e o Campus Universitário de Gambelas, com 20 ha e uma área coberta de apenas 5050 m2.


Ao abrigo do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 11/79, de 28 de Março, foram abertos estabelecimentos noutras localidades: Vila Real de Santo António, Lagos e Portimão.


Na prossecução dos objectivos com que foi criada, a Universidade do Algarve tem repartido a sua actuação por três grandes áreas: valorização dos recursos o humanos, investigação e apoio às actividades económicas e culturais da região.


Na área dos recursos humanos procura-se formar quadros técnicos capazes de assumirem a responsabilidade do desenvolvimento da região.
É gratificante saber que já obtiveram o seu diploma 421 alunos, sendo 209 com o grau de licenciai ura e 212 com o de bacharel, sem contar com os 786 professores que se formaram em serviço nos ensinos básico e secundário e com os cursos de pós-graduação em Estudos Superiores de Integração Europeia e Técnicas de Planeamento e Desenvolvimento Regional.


Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Universidade do Algarve define-se como uma escola de cunho regional que aponta para o estudo prioritário dos problemas locais com projectos que contemplem a diversidade do seu território, como já referimos.


Na consecução deste objectivo e no entendimento da investigação como factor de progresso económico, a Universidade do Algarve desenvolve, neste momento, cerca de 30 projectos de investigação, a maior parte dos quais suportados financeiramente por entidades públicas e privadas, o que constitui um assinalável êxito e o corolário de uma saudável e inteligente gestão.


Destacamos os seguintes projectos: impacte do Mercado Comum na economia portuguesa - contraio realizado com a Secretaria de Estado do Planeamento; programa de desenvolvimento das regiões transfronteiriças, em colaboração com a Universidade de Sevilha - contrato realizado com a Secretaria de Estado do Planeamento: estudo sobre sistemas hidropónicos - contrato realizado com uma entidade financeira ligada ao sector agrário; proieolíticos para o fabrico do queijo - contrato realizado com a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica; aproveitamento dos resíduos sólidos das estações de tratamento de esgotos como fertilizantes - contrato com a Comissão de Coordenação da Região do Algarve; melhoramento da amendoeira e da figueira - contraio realizado com a Comissão de Coordenação da Região do Algarve; fotodegradação de pesticidas - contrato com o Instituto Nacional de Investigação Científica; cobertura sedimentar do quaternário no Algarve - contrato com o Instituto Hidrográfico; controlo ambiental e hormonal do crescimento da dourada - contrato celebrado com a CEE; estudos de base tendentes à conservação e valorização dos icliopovoamentos marinhos e gestão da pesca na costa sudoeste e paisagem vicentina - contrato com o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza; o uso de lamas de depuração na agricultura - contrato com a Câmara Municipal de Loulé; potencial de pesca de stock de lulas no Atlântico Nordeste - contrato com a CEE; pesca experimental exploratória do caranguejo-da-fundura - contrato com a Comissão de Coordenação da Região do Algarve; impacte ecológico dos sistemas de aquacultura por jangadas e estratégias para controlar os fluxos de energia no ambiente marinho - contrato leito com, a CEE; utilização da esteva como fonte energética e de produtos químicos - contraio com a delegação regional do Ministério da Indústria e Energia; o nordeste Algarvio, persistência de formas de povoamento e de economia de subsistência - contrato com o INIC (Instituto Nacional de Investigação Científica); o presente do passado de Faro - contrato com a Câmara Municipal de Faro; a ria de Alvor, sua exploração e fixação humana, desde a Pré-História até aos nossos dias - contrato com a Câmara Municipal de Portimão; a Idade do Bronze no concelho de Aljezur. A necrópole de Corte Cabreira- contraio com a Camará Municipal de Aljezur; análise de comportamento do professor - contrato com o INIC; programa de investigação educacional -contrato com o Instituto de Investigação Educacional; torografia acústica para inonotorização geofísica dos fundos marinhos - contrato com a CEE; etc.


Acrescentamos ainda que, através do Programa Ciência, a Universidade do Algarve obteve um financiamento de 230 000 contos, destinado à instalação de um centro de desenvolvimento de ciências e de técnicas de produção vegetal, o que dará possibilidades acrescidas à investigação neste campo.


A Universidade do Algarve, atenta ao processo de desenvolvimento da região e no cumprimento da alínea 2), do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º. 11/79, de 28 de Março, que determina que os cursos a ministrar devem ler em conta as necessidades da região, assinou e tem em execução cerca de 40 convénios, que se traduzem em apoios às actividades económicas e culturais, locais, e consistem na realização de acções que, por diversos motivos, as instituições não conseguem efectuar e para as quais a Universidade se encontra vocacionada.


A saber: a criação de software para gestão - contratos com diversas empresas; o estudo económico para o Plano Director Municipal de Tavira - contraio com a autarquia e uma empresa privada; a análise de solos - contratos com diversas empresas; testes de materiais de construção; o uso de computadores nos ensinos primário, básico e secundário contraio com o Ministério da Educação; o apoio a comunidades com problemas de subdesenvolvimento - contraio com uma fundação estrangeira; a caracterização química de resíduos sólidos urbanos da região do Algarve e de outras regiões do País - contrato com uma empresa privada; parâmetros químicos da qualidade da água - contratos com empresas; controlo de qualidade em engenharia rural.

E com o objectivo de apoiar as actividades económicas foram criadas duas sociedades com participações de diversas empresas: a BIOTECNAR, dedicada aos temas da tecnologia alimentar e a CINTAL para as tecnologias de informação. Em laboratório, procede-se à análise de alimentos, aguas, efluentes e lixos urbanos.


Do exposto, é justo concluir que a Universidade do Algarve tem correspondido às melhores expectativas. No entanto, está longe de satisfazer as carências da nossa região, dado o deprimente atraso e flagrantes desvantagens comparativas em relação a outras regiões quer a nível de recursos humanos, onde se vê ainda forçada a importar quadros técnicos ou a entregar tarefas a elementos sem formação adequada com iodos os prejuízos que daí advêm.


Para que esta preocupante lacuna possa ser sanada e a Universidade tenha capacidade de resposta face à crescente procura, necessita de ampliar de imediato, as suas instalações.


O Algarve é uma região de grandes potencialidades que se mantinham improdutivas por falta de projectos de investigação, os quais estão agora em fase de arranque e, por esse motivo, necessitando de prementes incentivos.


E porque quem trabalha é merecedor do nosso apreço, endereço ao Sr. Presidente da Assembleia da República que seja portador, junto do Governo, da nossa mensagem e dos nossos anseios e recomende o apoio financeiro que a Universidade do Algarve carece para a prossecução dos projectos que estão elaborados e prontos a serem executados, nomeadamente: do edifício da Unidade de Ciências e Tecnologias dos Recursos Aquáticos; a conclusão das instalações definitivas no Campus de Gambelas; do edifício do complexo pedagógico do Campus de Gambelas, cuja construção poderá iniciar-se este ano, embora o quantitativo financeiro que lhe foi atribuído pelo PIDDAC também não permita a sua conclusão."

(http://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/06/01/065/1992-05-19?sft=true&pgs=2093-2094&org=PLC&plcdf=true#p2079)

LUÍS MIGUEL

NUNES

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